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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Um qualquer e Alguém


Por Beni Albuquerque



Esse é um dia na vida do um qualquer desejando e acreditando na ilusão de que virou Alguém

Terça-feira qualquer, madrugada
um qualquer foi dormir se sentindo Alguém
Grandes olhos negros sobre seu corpo
Olhos que falavam sobre ternura, amor, desejo
Uma boca que no seu abrir e fechar
Refletia palavras e verdades lindas, instantâneas
um qualquer se sentiu amado
Desejado
Sentiu-se Alguém
Não um alguém qualquer
Importante Alguém
Para Alguém Importante
ser qualquer um não cabia ali
Ele era Alguém
Pois a boca, os olhos, o corpo e o pensamento de Alguém o transformava nessa nova criatura.
Alguém que há muito se sentia qualquer
um qualquer bem pequenininho
Queria agora parar o tempo naquele exato momento
E ser mais que Alguém
E numa desvairada fantasia
Sonhou em não ser mais um reles mortal
Desejou pintar, fazer escultura, poema, um romance
Queria ser um semideus e eternizar aquela noite
Queria inventar um cofre inviolável onde se pudesse guardar as noites
Onde se produzem as provas
Que comprovam
A existência
De um amor
E sempre que se sentisse um qualquer
Poderia abrir o cofre, ver seu tesouro
E ser Alguém novamente
Cedo Alguém descobriu que
As noites
E as provas de amor
São feitas de outra natureza
Não sendo possível guardá-las em cofre algum.
Aqueles olhos
A mesma boca, o mesmo corpo o ajudaram nessa descoberta
Naquela noite
Os olhos não falavam mais
Não o notavam
E mesmo com proximidade
Distância
Aquela boca
Perdeu a magia
E apesar do barulho
Silêncio
Daquele corpo quente
Só o frio
Daquelas mãos
Nem um aperto
Nem um toque
E a falta de um toque
Fez acabar
A certeza daquela ilusão
Foi dormir mais um qualquer
Acreditando que no futuro
Seria Alguém novamente

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Willie Lynch e a Sociedade Contemporânea

Por Ulisses Ciríaco


De acordo com o texto que foi publicado anteriormente no blog com o discurso proferido por Willie Lynch, escravista das índias ocidentais, será discutido e contrastado seus métodos de acordo com a época do discurso (1712) e com a sociedade pós-moderna.

O termo “linchamento” tem sua gênese etimológica derivada dos métodos e técnicas escravistas dos Lynch. Daí o termo, (Lynch)amento.
Mas creio que isso é o de menos.

Lynch inicia seu discurso, apontando o que os senhores de escravo da Virginia estavam fazendo de errado. Inicialmente mostra o grande equívoco comercial que era matar os escravos. Primeiramente por ser um grande desperdício de “mercadoria”.

“Os senhores não só estão perdendo uma valiosa mercadoria enforcado-os, mas os senhores estão provocando levantes, escravos estão fugindo, suas colheitas muitas vezes estão ficando nos campos por mais tempo que o necessário, prejudicando com que se tenha melhor preço, estão sofrendo incêndios ocasionais, seus animais estão sendo mortos, cavalheiros os senhores sabem os seus problemas, eu não preciso citá-los.”

Pode-se notar claramente a visão empreendedora e corporativa desse senhor. Não é novidade para ninguém que os escravos eram meras ferramentas de mão de obra e, consequentemente, mercadorias. Negociados, comprados, trocados, abusados, usurpados, torturados, castigados, açoitados, etc e etc, mas temos que admitir que a formulação de toda essa “técnica” de controlar os escravos de forma mais produtiva, o fazia parecer um acadêmico dessa área, quase um Slave Business Manager (algo como um Gerente de Negócios Escravos).

Esse senhor, de visão tão empreendedora não agia pelos mesmos meios que seus contemporâneos e anfitriões da Virgínia. Tinha a fórmula mágica e a essência para ser soberano aos seus servos. Essa semente germinou e virou uma funesta árvore da discórdia, que permeou séculos (talvez dure milênios) iludindo, confundindo e impossibilitando o equilíbrio das relações sociais posteriores.

Essencialmente, sua técnica consistia em estimular desunião, desconfiança e todos os tipos de intrigas entre a população escrava. Pegava diferenças existentes entre eles e as transformava em maiores ainda. Usava medo, inveja, desconfiança e etc. como instrumentos de controle.

Lynch garantiu em seu discurso que, se seguida corretamente à receita, o método seria capaz de controlar escravos por até 300 anos. O lamentável e saber que ele estava correto, e que a eficiência de sua técnica perdurou por muito mais de 300 anos, estando viva até os dias de hoje.

Para contrastarmos sua técnica com o modo de vida das sociedades modernas, deve-se considerar o contexto histórico daquela época, envolvendo os costumes, as crenças, a tecnologia, a legislação, política e etc., tanto quanto deve ser considerado o contexto histórico da atualidade.

Acredito que, levando em consideração os períodos históricos em contraste, essa técnica dominada pelo Sr. Lynch se instalou, se adaptou às transformações e se tornou muito poderosa. Falo isso porque ao longo do desenrolar espaço/tempo, muitas coisas se transformaram, e uma delas (muito óbvia) é a abolição da escravidão no Brasil e no resto de todo o mundo.

Mesmo sem a escravidão explícita, a escravidão declarada oficialmente, os seres humanos não são mais donos uns dos outros de forma tão clara assim.
Entretanto, após o fortalecimento e completa ascensão da sociedade de consumo, as pessoas passaram a ser mercadorias, mas indiretamente, dando assim espaço para que os senhores de escravo (os da modernidade) passassem para você a ilusão de que você esta “pertencendo”, quando na realidade você é o “pertence”. O sujeito se tornou objeto. Objeto que prioriza conquistar outros objetos, onde ilusoriamente os consome sem perceber que na verdade está sendo consumido pelo seu próprio consumo. Confuso?

Rotinas exaustivas e aceleradas das grandes metrópoles. Através do trabalho (alienado), onde a maioria dos sujeitos possuem empregos que lhe ocupam o dia todo, esgotam física e emocionalmente e a remuneração não é suficiente para atender todas as suas demandas. Através dos empregos, quase sempre taylorizados, se mostram mais evidentes o quanto os sujeitos ainda pertencem (mesmo que implicitamente) aos outros sujeitos (Patrões). Mas esses sujeitos pertencentes, assim o são, para atender aos seus próprios desejos, aspirações e interesses, e uma das vias de acesso é o labor.

Exemplo: Cidadão X acorda 4 horas da manha porque entra às 7 da manhã no trabalho, gasta duas horas para chegar ao seu local de trabalho que fica consideravelmente longe de sua casa. X trabalha o dia todo até as 18 horas e chega em casa enre 20 e 20:30 da noite. Sobra-lhe pouco tempo para dedicar-se a família, a si mesmo e a qualquer outra coisa durante a semana, pois tem que descansar para o dia seguinte. Além disso, recebe uma quantia considerável, mas que não chegam nem perto de um ideal para atender suas demandas.

 Quando falo em demandas, não estou falando apenas em necessidades. Falo em algo que transcende as necessidades, vontades e desejos que são traçados como metas e objetivos, mesmo não tendo motivos tão esclarecidos ou coerentes. São como "pulsões do Id", psicanaliticamente falando.

O segredo de tudo é que esses desejos que acabam tornando-se metas e objetivos e simultaneamente são fatores motivacionais para “busca” das rotinas pesadas do dia-a-dia, esses desejos, sem percebermos, são induzidos e estimulados a aparecerem e se manifestarem pelos mesmos “Senhores” que nos tomam todo o tempo do dia.

Vou explicar melhor.

Oferecem-nos um emprego, onde eu troco meu tempo e minha mão de obra por uma quantia em dinheiro, para satisfazer minhas necessidades e meus desejos. Curiosamente meus desejos atendem (mesmo que indiretamente) aos interesses desses que me “compraram” tempo e mão de obra. No final disso, somos produtos e consumimos a nós mesmos.

Para elucidar, posso citar o exemplo da época da abolição da escravatura no Brasil. Uma princesa, cheia das boas intenções declarou livres todos os escravos, sendo que esses, agora livres, não tinham para onde ir, o que plantar, o que comer, o que fazer e etc.
Será que isso teve como conseqüência o grande êxodo das favelas, da marginalidade e criminalidade urbana, que tanto ameaça a classe dita “superior” dos dias de hoje?
Fica a pergunta...

Retomando o discurso, “Agora que os senhores já têm a lista de diferenças, devo enumerar-lhes algumas atitudes que devem ser tomadas, mas antes disso, devo assegurar aos senhores que a desconfiança é mais forte que a confiança, e a inveja é mais forte que a lisonja, o respeito e a admiração. Os negros escravos depois de receberem essa doutrinação deverão incorporar-se a ela e se tornarão, eles próprios, reprodutores delas por centenas de anos, talvez milhares de anos. Não se esqueçam os senhores devem jogar um negro velho contra um negro novo e um jovem contra um velho escravo. Os senhores devem usar o escravo de pele escura contra o escravo de pele clara, e o escravo de pele mais clara contra o escavo de pele escura”.

Podemos ver nesse pequeno trecho, o reflexo disso na instabilidade e completo desequilíbrio das relações sociais contemporâneas.
O homem, na sua natureza, tende a valorizar mais os comportamentos agressivos e irracionais como forma de resolução de conflitos do cotidiano das relações interpessoais. Apesar de muito ter mudado ao longo da história no que se refere à consciência da violência e a busca constante da não-violência, ainda sim, há mais violência que não-violência. Uma forma de violência muito eficiente sobre a coletividade é a cultural. Algo como um “etnicídio”. O sujeito reconhece o outro como diferente, porém inferior, e para submetê-lo ao seu poder, não se ataca sua pessoa, não domina seu corpo, mas sim aliena, modifica e até destrói sua cultura.
Destruindo a cultura, e de quebra inserindo uma nova cultura dominante, que atende aos interesses das classes “superiores”, você concerteza terá um domínio sobre a classe “inferior”.

Através de ferramentas que agem de formas sutis nas subjetividades, como os meios de comunicação em geral, nota-se a grande influência e persuasão destes meios sobre os sujeitos. Suas demandas atendem aos critérios do capitalismo, utilizando-se de seu poder persuasivo para a formação de opiniões, valores e crenças que se enquadrem às necessidades do mercado de consumo.

Repito, somos consumidos pelo próprio consumo.


Além da produção de uma cultura dos desejos e do consumo, instauro-se também nesse repertório cultural a cultura do medo, da marginalidade e da delinqüência.
A delinqüência e a marginalidade, apesar de conceitos morais de uma sociedade imoral, são reais. São produtos dessa sociedade que a teme, e busca de todas as formas seguir seu processo consumista de forma segura, sem as ameaças da marginalidade e delinqüência (oriundas, geralmente, da classe inferior).


Ao mesmo tempo que a classe superior tenta consumir seguramente, sem as ameaças da classe inferior, esta última busca a qualquer custo (e utiliza as mais variadas ferramentas para isso) tentar suprir suas necessidades básicas, além do sonho de poder gozar do consumo e “subir” de classe social
Todas essas situações são produtos de uma mesma ilusão, transmutada em formas mirabolantes de crenças e valores, que misturadas aos sentimentos confusos e incompreensíveis do ser humanos, emergem das profundezas do inconsciente para a consciência, orientando e conduzindo o sentido de vida dos mesmos.

Isso sem contar na intolerância às diferenças, que está disfarçada de tolerância.

Anos e anos de guerras pelos mais variados motivos, também mascarados por ilusões e ideais vendidos a milhões de mentes enganadas.
Guerras ainda estão acontecendo, como no Iraque, onde milhares de soldados americanos, senão todos, sequer sabem o motivo de estarem lá, longe de casa, invadindo um país estranho e matando (muitas vezes) civís que falam uma língua completamente desconhecida e incompreensível. Mas isso já é outra questão...


Apesar de acreditar que essa receita mágica da desordem, observada e organizada por Willie Lynch tenha se transformado junto com a história e a sociedade e tenha sobrevivido, da mesma forma que um parasita, vivendo completamente ás custas de seu hospedeiro, ainda sim, penso que a culpa é e sempre foi nossa.

Sim a culpa também é nossa, os enganados, os iludidos.